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Tempos da outra senhora

Dani Costa Coordenador

Vários anos depois, recordei-me de um momento em que ainda garoto, mas garoto mesmo, atrasei-me a um encontro da Organização dos Pioneiros Angolanos (OPA) onde estariam alunos provenientes de várias escolas do município do Cazenga. O encontro deu-se no então Bacalhau Vilela, no Hoji Ya Henda, uma das comunas do Cazenga. Só quando cheguei ao local, com pouco menos de 12 anos, apercebi-me que ainda não tinha vestido a camisola, o que se encontrava pendurada ao pescoço, para casar com os calções azuis escuros que a organização dos pioneiros angolanos usava, também, na altura. Há dias em que nos lembramos dos tempos do monopartidarismo ou da outra senhora, embora seja louvável dizer que a democracia que vivemos seja incomparável, porque as liberdades não podem nunca ser postas em causa. Ainda assim, é incomparável também o espírito de solidariedade e irmandade daquele tempo se comparado com o salve-se quem puder dos dias actuais, onde, apesar dos vários alaridos, estender as mãos aos irmãos ou participar de acções que podiam ser colectivas tornou-se quase uma miragem. Dirão alguns que serei mais um saudosista. E não me importo. Do mesmo modo que olho para as visões dos economistas e outros estudiosos que se escudam em Adam Smith para que exista sempre a mão invisível do Estado na economia, sobretudo quando se trata de salvar empresas de burgueses, muitas das quais mal administradas e que necessitam depois de resgate. Sinto saudades das coisas boas do tempo da outra senhora. Dá vontade consequente que os cidadãos tinham de olhar para os problemas básicos da comunidade como se fossem seus, sem entregar tudo apenas às mãos do Estado. Sinto, sim, saudades daquele tempo em que as nossas Mamãs varriam até alguns metros defronte às suas portas e não deixavam como se fosse missão exclusiva das Urbana 2000, dos filipinos antes chamados ou até mesmo na mais nova Elisal. Era o tempo em que, apesar de o Estado saber das suas responsabilidades e procurar executá-las para a satisfação das necessidades do povo, ainda assim estes não se afastavam do mínimo que poderiam fazer no sentido de melhorar cada vez mais as suas vidas sem o rol de críticas que existem hoje. Olhando para muitas das coisas que ocorrem hoje, não há como menosprezar a importância que acções como os Sábados vermelhos tiveram para a manutenção de infraestruturas e até mesmo a limpeza dos recintos em que estudávamos ou realizávamos actividades desportivas. A falta de manutenção de que se fala hoje em alguns aspectos é também resultado do afastamento que tivemos dos bons hábitos e valores do tempo da outra outra senhora. Aquele mesmo em que o vizinho era família e os pais dos nossos amigos eram também nossos pais. Uma fase em que não se deixava tudo para o Estado, como hoje pretendemos viver.

HOJE:

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2023-03-30T07:00:00.0000000Z

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