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O que deve ser feito?

Qual é, propriamente, o quadro que pode descrever da desnutrição?

A situação da desnutrição crónica é muito grave no país. Eu falei de 38 por cento de crianças que são desnutridas crónicas. É um número muito grande de crianças. Lembra também que 1,2 milhão de crianças nascem todos os anos em Angola. O trabalho que temos de fazer em conjunto, para reduzir a desnutrição não deve ser feito pelo Ministério da Saúde, apenas. É o Ministério da Agricultura, da Educação, das Águas. Porque se não tivermos um trabalho conjunto vai ser muito difícil reduzir a desnutrição crónica em crianças. Quando olharmos para a situação da desnutrição aguda grave, há crianças que estão a morrer. Temos de salvar a vida das crianças. O Governo tem de garantir suplementos nutricionais, para poder salvar a vida das crianças. Muitas crianças estão a morrer no Sul do país. A cooperação tem alguns insumos, está a dar apoios, mas não é suficiente. Precisamos de uma intervenção muito mais forte do Governo, para salvar vidas de crianças com desnutrição aguda.

Onúmeroconsideráveldecrianças que fica fora do sistema de ensino indica violação dos direitos da criança por parte do Estado?

Temos muitos factores pelos quais as crianças saem do ensino e não ficam na escola. Temos 75 por cento de meninos e meninas que vão à escola no ensino primário, que é um número interessante. As crianças não ficam na escola por múltiplas razões. Especialmente, as meninas, muitas não continuam o ensino secundário, porque têm de ficar em casa; têm de cuidar dos irmãos mais pequenos; muitas raparigas ficam grávidas, e saem da escola. Esta é uma coisa. A outra coisa é a qualidade da educação. Um em cada sete meninos de 10 anos não compreendem o que estão a ler. A aprendizagem é uma situação muito grave. Os meninos não compreendem o que estão a ler. O sistema escolar tem de mudar.

A qualidade da educação passa pela qualidade dos professores. Se não temos professores com boa qualidade não podemos esperar que a qualidade da educação melhore. Temos professores que não passam num teste preparado para crianças, e são professores. É uma realidade, e o ministério conhece. O problema da educação passa, muitas vezes, pela necessidade de ter muito mais recursos no Orçamento Geral do Estado.

Qual é a apreciação que faz da questão do trabalho infantil em Angola, e, também, da exploração sexual de crianças?

O Governo reconheceu o problema do trabalho infantil. Foi ao mais alto nível. O Presidente e o Conselho de Ministros reconheceram o trabalho infantil como um problema, que o país precisa de trabalhar muito mais. Para travar o trabalho infantil é preciso ter um trabalho muito mais coordenados. Temos de compreender o porquê que uma criança tem de trabalhar. Temos muitos pais que não reconhecem as crianças e não ajudam as famílias. A fuga à paternidade é um problema muito grande. Por isso, os programas de transferências monetárias são muito importantes. As famílias recebem dinheiro para melhorar a situação económica em casa. A experiência deste trabalho na América do Sul, nos últimos 20 anos, está a dar resultados. Não temos de inventar nada. Precisamos que mais crianças em Angola sejam parte dos programas de transferências monetárias.

Nos últimos tempos assiste-se a vídeos nas redes socias em que aparecem crianças drogadas ou alcoolizadas. Há muita facilidade no acesso a bebidas alcoólicas e a substâncias psicoactivas por menores?

Eu acho que é um problema do não envolvimento das famílias. As crianças ficam na rua, e a criança é muito sensível. Uma criança de 10 anos não tem a capacidade de definir qual é uma coisa boa ou má. Uma criança de 10/12 anos, que tem acesso a dinheiro e a uma arma de fogo é uma criança que pensa que é um adulto; que tem a capacidade de tomar decisões. Mas, quem fica atrás de uma criança é um adulto. Nós estamos a ver o problema na criança, mas atrás dela está um adulto. Há uma pessoa maior de idade que está a dar a possibilidade à criança de ter acesso ao dinheiro, acesso à bebida, à droga e, também, à violência.

Qual é a análise que faz da implementação dos 11 Compromissos

com a Criança, que Angola estabeleceu?

Os 11 compromissos é um compromisso do Governo. Tem objectivos muito claros, eu acho que o maior desafio é ter o que eu falei antes; é ter um olhar muito estratégico, muito específico aos dados. É uma decisão muito importante, mas, precisamos de ter a liderança de convidar todos os parceiros. Não temos isso.

Efectivamente, Angola tem mostrado ser um Estado comprometido com os direitos da criança?

Efectivamente, eu acho que temos a decisão política; temos o discurso. Mas, temos muitos desafios. Ainda temos o desafio de colocar a criança no centro das nossas decisões políticas e económicas. Ainda não. Quando colocarem a criança no centro das atenções, as decisões mudam para beneficiar directamente as crianças. Ainda temos que passar do discurso para a implementação dos Direitos da criança. Este é o maior desafio.

Qual tem sido a actuação do UNICEF em Angola, no sentido de defender os direitos da criança junto do Governo?

Eu acho que nós tentamos ser um parceiro eficiente e efectivo com o Governo. Tentamos ser um parceiro que trás assistência técnica do mais alto nível, que o Governo precisa. A voz do UNICEF, o UNICEF pode colocar na agenda pública o tema da criança. Tentamos dar às crianças um espaço para que elas possam, também, compartilhar o que elas vêem como problema. O Governo tem de dizer à cooperação onde quer que possamos apoiar, e como vamos juntos alcançar objectivos de melhoramento da situação da criança.

O UNICEF em Angola tem vários programas, como o de Sobrevivência e Desenvolvimento da Criança, qual é o ponto de situação de todos?

Eu gosto de falar de prioridades programáticas, mas não de programas. A nossa cooperação está a falar mais de políticas nacionais. Por exemplo, uma das nossas prioridades programáticas é a vacinação. Eu acho que o país pode alcançar níveis de vacinação de 85/90 por cento de todas as crianças vacinadas. É possível que precisamos de cinco anos para isso, ou mais. O trabalho que nós fazemos não é um programa específico, tentamos colocar uma visão de longo e médio prazos. Se precisarmos ficar no país 20, 30 anos ou mais, a cooperação terá de ficar. Mas, a coisa boa é quando o UNICEF não está nos países, quer dizer que o país sozinho foi capaz de alcançar resultados e melhorar a situação das crianças.

Qual é o balanço que faz dos seus dois primeiros anos em Angola?

É um balanço positivo. A minha interação com os ministros e ministras é muito boa. Como eu falo com os meus colegas: quando eu tenho uma reunião com uma ministra eu fico feliz, porque compartilhamos um sonho. Temos muitos desafios, mas, a relação do UNICEF com o Governo e parceiros é muito boa. Quando eu viajo para o interior do país, falo com o governador, e todos temos o mesmo interesse: melhorar a situação da criança.

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2022-12-02T08:00:00.0000000Z

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