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Para travar o trabalho infantil é preciso ter um trabalho muito mais coordenados. Temos de compreender o porq

crónica; que tenta aumentar a cobertura de vacinação. São documentos muito importantes, mas o desafio é traduzir os documentos em realidade.

Nestes seus dois anos de trabalho, quais têm sido as principais dificuldades na defesa dos direitos da criança no país?

Eu acho que, agora, temos algumas iniciativas interessantes de participação das famílias e da participação das comunidades. Eu acho que os desafios estão, precisamente, na participação. Tentar ter uma participação muito mais activa, por exemplo, quando estamos a falar da prevenção da violência contra as crianças; quando estamos a falar da questão do abuso sexual, as famílias jogam um papel muito importante, mas ainda não temos o envolvimento das famílias. Quando estamos a falar, por exemplo, da educação das raparigas, 75 por cento das crianças, meninos e meninas, chegam ao ensino primário, mas, só 16 por cento de raparigas acabam o ensino secundário. Quer dizer que muitas raparigas estão a sair do ensino; estão a sair do sistema educativo. É preciso ter a participação das comunidades; a participação das famílias, para reduzir o número de meninas que estão a sair do sistema escolar. Este é um desafio muito grande. nifestação de violência, que todo mundo não aceita. Quando estamos a falar de violência contra as crianças, nós começamos a falar do abuso sexual, porque precisamos que o tema da violência de abuso sexual seja falado, no âmbito familiar, do Governo, da imprensa privada, e seja falado no país. Devemos ter uma cultural de não aceitar o abuso sexual, é importante. Mas, agora, em termos de avanço em relação à prevenção contra a violência, temos a linha SOS Criança 15015, que é uma iniciativa do MASFAMU, do INAC, com o apoio do UNICEF, pelo menos agora, as famílias têm uma possibilidade de ligar e fazer uma denúncia. Agora, temos o número de casos, por exemplo, no ano anterior, 50 mil casos de violência foram reportados à linha SOS Criança. 50 mil em seis meses. Já podemos ter dados. É um avanço conhecermos um bocadinho qual é a magnitude do problema. Agora, quando temos um caso denunciado à linha SOS Criança, o Estado tem de ter uma resposta. Mas, a resposta vem de todas as instituições envolvidas. Por exemplo, a Polícia Nacional tem de ter a capacidade de fazer a investigação; o sistema judicial - os advogados têm de conhecer os casos, têm de resolver os casos, porque uma maneira de prevenção é reduzir a impunidade. Se você fizer uma coisa contra a criança, tem de saber que a Polícia e a Justiça vão fazer o seu trabalho. Mas, o problema é que o abuso sexual e a violência sucedem em casa. É o tio, o parceiro da mãe, o avô, o vizinho, que estão a cometer o abuso sexual e violência contra as crianças, que é um problema cultural, mas é importante começar a não aceitar o abuso sexual contra a criança como uma coisa normal. Eu sempre disse, se tivermos um caso de abuso sexual que chega à primeira página do jornal, eu acho que esta é uma maneira de dizer que isto não é normal. Mas, os casos de abuso sexual não chegam à primeira página do jornal, porque não parece ser um problema, é normal, acontece, ninguém fica preocupado. É importante começar a falar do fenómeno.

O UNICEF acredita que as autoridades têm feito acompanhamento das crianças e dos acusados até que estes sejam responsabilizados?

Ainda não temos toda capacidade institucional para acompanhar todos os casos. Eu vou dar um dado: o país tem um trabalhador social por cada 10 mil pessoas. Então, não temos a capacidade institucional para acompanhar e resolver todos os casos. Mas, pode ser que o Ministério da Justiça e a Assembleia Nacional possam fazer uma revisão do número de anos que uma pessoa tem de ficar na cadeia, se cometer um crime contra a criança. Mas, eu acho que é muito mais importante garantir um sistema de resposta que todos os casos que são denunciados pela linha SOS Criança, ou os que são denunciados directamente à Polícia. Mas, ainda não temos a capacidade nacional para resolver todos os casos.

No final, de quem é a luta contra a violência da criança?

Eu acho que é um problema de todos. É preciso o envolvimento de todos, do privado, do Governo, da sociedade civil, da cooperação internacional. É um problema de todos. Mas, novamente, se não entendermos que o problema deve ser falado e conhecido pelo país, vai ficar muito difícil ter o envolvimento de todo o país. Mas, eu acho que os meios de comunicação, todos temos de falar do problema. A intenção não é colocar o Governo como culpado. Mas, os problemas das crianças têm de ser falados. O problema da desnutrição. Quantas crianças são desnutridas crónicas em Angola? Estamos a falar de 38 por cento de crianças. 1,9 milhão de crianças menores de cinco anos são desnutridas crónicas. Quem conhece estes dados? Temos de conhecer a realidade que acontece com a criança angolana. Tentamos colocar nos meios de comunicação e falar dos problemas da criança.

O que o UNICEF tem feito para inverter este quadro?

Temos que lembrar que não temos em Angola, e em nenhum país do mundo, uma ONG, uma organização que faça o trabalho do Estado. Nós podemos ter projectos em províncias, outros parceiros, mas ninguém pode fazer um trabalho que é responsabilidade do Governo. Nós tentamos trabalhar em relação a políticas nacionais. Temos algumas intervenções em algumas províncias, por exemplo, a intervenção que estamos a fazer nas províncias do Sul do país em relação à seca; temos intervenções no âmbito da desnutrição, intervenções no âmbito da água, do saneamento básico. Mas, tentamos trabalhar com o Governo — o principal responsável por garantir o cumprimento dos direitos da criança. É por isso que nós, por exemplo, não temos intervenções que ajudam crianças com bolsas de estudo. Essa não é a maneira de trabalhar do UNICEF, mas, tentamos trabalhar com o Ministério das Finanças e da Educação para que todas as crianças tenham acesso à educação.

É dever do Estado baixar a mortalidade infantil, mas, assiste-se crianças a morrer por conta de um sistema de saúde deficiente. Os esforços feitos pelo Executivo neste sentido são animadores?

Eu acho que temos a decisão política. Se você fala com a ministra da Saúde, com a vice-Presidente, se você fala com o Presidente, todos tem a mesma visão: a criança é uma prioridade; a nutrição é uma prioridade, mas eu acho que o Estado angolano tem muitos desafios e muitas prioridades, porque tem de fazer investimento nas infra-estruturas, mas, também, tem de fazer um investimento em recursos humanos, na criança. A situação de saúde, eu acho que o país melhorou. Se formos a ver os dados de 1990, quando o país assinou a convenção, e os dados de 2021/2022, vamos ver que temos uma redução do número de crianças que estão a morrer. Mas, ainda não estamos nos níveis que Angola tem de estar. Porque estamos a falar de um país que tem recursos, que tem a capacidade de melhorar a situação das crianças. Mas, eu acho que a decisão política, mas, ainda o desafio é levar as políticas nacionais para uma implementação muito mais reais. A situação não é óptima. Ainda temos muitos desafios no âmbito da desnutrição.

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2022-12-02T08:00:00.0000000Z

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