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“PRETERIR O CONHECIMENTO DA HISTÓRIA NUMA SOCIEDADE É CONDENÁ-LA A UMA AMNÉSIA”

André Mussamo Carlos Augusto

O médico e académico Carlos Mariano Manuel defendeu, em entrevista a OPAÍS, a necessidade de uma maior aposta na investigação da história de Angola, ressaltando que preterir o conhecimento numa sociedade é condená-la a uma amnésia e desorientação. O historiador narra, numa obra de mais de duas mil páginas, os factos que ocorreram antes da chegada dos portugueses até à sua expulsão.

Nasceu na província do Uíje e ouviu o proclamar da Independência Nacional sob o cimo da copa de uma árvore abrigado na floresta. Formou-se em Medicina e deu aulas de Patologia na Alemanha. O seu último contributo é sobre a nossa história, com majestosa obra em três tomos intitulada “ANGOLA DESDE ANTES DA SUA FUNDAÇÃO PELOS PORTUGUESES ATÉ AO ÊXODO DESTES POR NOSSA CRIAÇÃO”. São mais de duas mil páginas que discorrem sobre história de Angola desde antes da chegada dos portugueses até à sua expulsão. Carlos Mariano Manuel, Professor Catedrático da Faculdade de Medicina e Especialista no Hospital Américo Boavida, é nas vestes de historiador que o trazemos para a Grande Entrevista desta edição

Texto: Foto:

Faça-nosumautorretrato de si mesmo.

Muito bem. Antes de responder a sua pergunta, gostaria de exprimir o meu preito de gratidão pelo facto de privilegiar-me com este exercício. Estou muito grato por essa possibilidade que me é dada.

Respondendo a pergunta. Eu chamo-me Carlos Mariano Manuel, sou de cidadania exclusiva e na acepção constitucional também originária angolana por ter nascido nos arredores da cidade do Uíje, numa comunidade rural, mais concretamente a sudeste e ter vivido a infância até a adolescência na cidade do Uíje, ou na minha aldeia natal.

Por inerência do que acabo de lhe dizer, eu frequentei a escola primária, inicialmente, no meio rural da minha aldeia natal até que, deixou de haver possibilidade de continuar a ilustrar-me na minha aldeia de berço, tive que seguir para a capital da província onde prossegui o ensino secundário até a altura em que ocorreu o advento da Revolução dos Cravos em Portugal com a consequente alteração da ordem jurídico-constitucional que existia naquela altura no espaço territorial colonizado por Portugal e estes acontecimentos fizeram a que muitas instituições não pudessem funcionar e dentre elas, as instituições escolares.

Por esta razão, nos meses a seguir a proclamação da nossa Independência tive que mudar-me para a cidade de Luanda para terminar o sétimo ano do liceu e de seguida matricular-me no Ensino Superior na universidade que hoje se designa Agostinho Neto, precisamente na Faculdade de Medicina, e seis anos depois licenciei-me.

Em 1983 iniciou a minha carreira como servidor do Estado na academia e na prestação de cuidados médicos às nossas populações, mais concretamente no Planalto Central, na cidade do Huambo, e depois em Luanda, tendo a vertente profissional, finalmente, me levado para outras paragens do mundo, onde pude intervir, quer na docência, na academia, na investigação cientifica, diria em muitos pontos do nosso planeta.

Já vamos a estas nuances da sua vida, nomeadamente: medicina e academia. Por enquanto, fiquemos pela Independência, aliás é na saga da sua comemoração que lhe solicitamos a presente entrevista. Tem lembranças do ‘antes independência’? Pode partilhar algumas connosco?

Naturalmente tenho, pelo facto de ter tido já na altura 18 anos de idade. Concretamente: 18 anos, oito meses de idade e dois dias… (risos) …porque sou do dia 9 de Março. São lembranças de um jovem que pertence a parte da população de Angola que por ser nativa, era a população votada a desvantagem, porque vivia sob um regime politico obsoleto e que tinha de ser substituído. Embora eu tivesse frequentado a escola em comunhão e caldeado com outras crianças da população da diáspora portuguesa residente em Angola, era absolutamente óbvia e nítida a situação de subalternização e infra humanidade a que as populações nativas estavam submetidas e dentre elas, naturalmente a minha família e a minha pessoa. Era um exercício de resistência.

Onde é que estava no dia da proclamação da Independência?

Já respondi essa pergunta a um colega seu que me a fez em Lisboa na altura quando apresentei O Tratado de História de Angola mas, volto a repetir. Eu estava numa floresta que dista cerca de 5 quilómetros da minha aldeia natal porque era o local mais seguro, porquanto a região onde eu vivia estava dominada pela força politica adversária contendora da que estava a proclamar a Independência em Luanda e eu como estava filiado a esta força politica corria riscos, se estivesse à vista dos representantes da força politica que dominava a região.

Segui a reportagem radiofónica da proclamação da independência sob uma árvore frondosa como que um esconderijo/retiro onde nos sentíamos seguros. Estava eu, o meu pai e outros contemporâneos do meu pai. Foi nessas condições que vivi a transição d’Angola colonial para a República Independente.

Não. Não estou a ocultar. É nítido a qualquer cidadão angolano, que a história de rivalidade que existia por altura da proclamação da independência envolvia estas forças políticas que acabou de citar agora…

Proclamada a Independência que, país é que vê hoje? Consumaramse as expectativas criadas que serviram de oxigénio pulverizador na mobilização dos homens e mulhe

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