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Prisão e mobilização

Por seu turno, o professor, escritor e crítico literário Hélder Simbad, foi responsável pela abordagem do tema “O Papel das Artes Performativas no Processo de Libertação Nacional”. Ao dirigir-se ao auditório, adiantou que o contexto artístico, definido por Venâncio em 2018, como “as relações, quer de natureza económica, quer de natureza estética que se estabelecem entre os vários cantores que contribuem para a realização e a afirmação da obra de arte, desde o momento da sua produção até ao do seu consumo ou fruição”, durante este processo de luta, é de algum policiamento por parte de quem detém o poder, de reclusão, para a maioria oprimida que consome secretamente, e de apresentações esporádicas de artistas, baseadas em estratégias artísticas que procuram driblar o sistema, através de acções individuais e de pequenos grupos.

Salientou que o sentimento de revolta implica algum conhecimento e, nesta fase, a taxa de alfabetização na altura era muitíssimo baixa. Ao referir-se sobre o então etnomusicólogo, Jorge Macedo, citado por Marissa Moorman, 2010, no domínio da música, Simbad adiantou que a música dos Ngola Ritmos e o estilo que se lhe seguiu, tocado nos musseques tem uma forte influência dos sons latino-americanos. O escriba salientou, igualmente, que a questão que se levanta sobre o fazer arte e não fazer política tem a sua componente antética: fazer arte é fazer política, e quem faz arte assume sempre uma postura política. Ou se é do contra ou se é a favor. É-se a favor quando se escolhem temas que não chocam com o sistema.

Simbad recorda que o grande artista é tendencialmente o do contra se a análise for ética; mas é preciso referir que esse jogo de antagonismo não define verdadeiramente o grande artista. O grande artista é quem, independentemente se o conteúdo semântico é a favor ou do contra, cumpre com o primeiro pressuposto da arte: fazer arte.

A título de exemplo, referiu-se ao malogrado músico David Zé, autor do clássico de “O Guerrilheiro”, que iniciou a sua carreira artística em 1966, da qual resultou a gravação do “Kady kazeca”, 14 singles e um LP em 1975, intitulado “Mutudi Ua Ufolo (Viúva da Liberdade)”.

Hélder Simbad que se dirigia para uma enorme plateia constituída na sua maioria por fazedores de arte, promotores de espectáculos e estudantes, recordou que David Zé foi um dos músicos míticos da revolução angolana, com letras dotadas de um conteúdo de carácter muito politizado, que defendia nas suas canções as ideias nacionalistas do MPLA de Agostinho Neto.

Devido ao impacto e a importância desta temática que despertou o interesse da maioria dos intervenientes no painel, a abordagem foi extensiva a outros músicos daquela época, como Artur Nunes e Urbano de Castro.

Música revolucionária

No caso concreto de Artur Nunes, referenciado pelo jornalista António Rodrigues, Hélder Simbad

justificou que quem conhece o Kimbundu, diz que Artur Nunes “o cantou como ninguém”. Canções de amor, canções tristes de morte e desventura, canções revolucionárias, políticas – deixando 12 singles gravados entre 1972 e 1976, e mais dois temas para a Colectânea Rebita 75. Entre eles uma obra-prima que sobreviveu ao passar dos anos e se manteve moderna por obra e graça da sua intemporalidade. “Tia” e “Belina”, duas das suas músicas mais conhecidas.

Já no que ao também músico e compositor Urbano de Castro se refere, o académico considerou-o um dos nomes incontornáveis da música angolana ligados à luta anticolonial, declaradamente. Fazia questão de dizer em suas músicas “Urbanito”, o “Angolano” num contexto de policiamento constante.

Urbano de Castro foi preso pela PIDE DGS, em 1970, depois de uma primeira tentativa falhada, tendo conseguido evadir-se para se juntar à guerrilha do MPLA. Por essa razão, a canção “Angola Liberté”, editada em single, é desta época, e teve um enorme efeito mobilizador nas bases das FAPLA”.

“A arte é um instrumento ao serviço de todas as revoluções. O conflito dialéctico entre música e política continuou mesmo com a mudança de regime e a independência nacional. O que esses três músicos aqui referidos têm em comum é o suspeito desaparecimento por altura do fraccionismo”, disse Simbad”.

CARTAZ

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2022-08-17T07:00:00.0000000Z

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