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“UM DOS GRANDES PROBLEMAS É COMO REDISTRIBUÍMOS ESSAS RECEITAS”

Uma das principais metas desse Eixo era a redução da taxa de incidência da pobreza de 36%, em 2017, para 25% em 2022. Pensa que o país alcançou esta meta?

Não posso dizer se alcançou, porque a pobreza é um conceito multidimensional. Uma pessoa pode ter 10 cabeças de gado ou uma determinada área de produção no campo e considerar-se rica. No conceito estritamente monetário, calcula-se aquilo que cada pessoa pode gastar para satisfazer as suas necessidades básicas. Quantas pessoas aqui em Luanda, por exemplo, têm três refeições diárias? Nem todo mundo. Se um cidadão não consegue satisfazer as necessidades básicas, é porque está abaixo do limiar da pobreza. É preciso um estudo fiável para fazer esta avaliação.

Não justifica o facto de o país ter vivido quatro anos consecutivos de recessão, agravado com as medidas de contenção à Covid-19?

São problemas conjunturais, pese embora ultimamente o preço do petróleo esteja a recuperar. Também é uma questão de equilíbrio macroeconómico em termos de gestão daquilo que todos produzimos e a sua forma de redistribuição. Isso é primordial. As desigualdades são profundas, o fosso é grande; entre uma oligarquia menor e a maior, a maioria da menor é que está numa situação de indigência. Um dos grandes problemas é como redistribuímos essas receitas.

Qual é a influência da população na definição das políticas públicas? O senhor aborda isso na obra histórica intitulada “Angola 45 anos: O Político, o Social, o Económico e o Cultural”, em que participou.

É levar em consideração os valores dessa população, não só em termos daquilo que produz, mas da sua representação no mundo. Sem mudar de tema, se olharmos para o canal do Cafu, há populações cujo canal passou nas suas áreas tradicionais. O que representa, por exemplo, o facto de esse canal ter passado nas suas zonas tradicionais? Eles têm períodos que consagram a certos rituais. É preciso conhecer os valores culturais das populações, para que se vá ao encontro do bem que aquilo traz.

Há cerca de um ano, o Executivo promoveu uma auscultação pública à alteração da divisão político-administrativa de cinco províncias, nomeadamente Cuando Cubango, Lunda Norte, Malanje, Moxico e Uíge. Como avalia esse critério de ocupação do espaço territorial?

Depende da conjuntura que se pretendia lançar, porque se pensava que entraria em vigor antes das eleições, mas aparentemente houve afrouxamento para depois das eleições. Entretanto, antes das eleições ou não, depende dos critérios. As províncias mais afastadas do litoral - refiro-me às lundas, Moxico e Cuando Cubango, principalmente estas duas últimas, por serem de maior extensão territorial, que paradoxalmente são densidade populacional mais baixas, São vastíssimos em território, mas baixas em densidade populacional, que é preciso repovoar. Mas dividir essas províncias, que não têm infraestruturas, implica criar e tornar funcionais as infraestruturas. Portanto, depende de quais eram os critérios políticos, demográficos e administrativos.

O senhor foi consultado durante esse período?

Não. Directamente de forma formal, não. Nunca fui contactado.

Se fosse consultado qual seria o seu parecer?

Se fosse consultado, diria que tem de se fazer

uma auscultação não só às comunidades, mas a várias pessoas entendidas na matéria, para que a opinião que for prevalecer seja mais abrangente e que cada um se reveja nela.

Compartilhe connosco a análise que faz na obra, ‘Angola 45 anos…’, quando se refere ao ‘Índice de concentração populacional em 2019, habitante por quilómetro quadrado’.

Quando se fala de concentração populacional por quilómetro quadrado, está a referir-se à densidade. Infelizmente em Angola a repartição é desigual, porque há maior concentração populacional no litoral e nas capitais das grandes cidades e municípios. É nas províncias mais do inteiro onde há menos concentração populacional. E isso cria as consequências que vemos em Luanda, cria dependência, em termos de segurança alimentar, porque muitos produtos que Angola consome os pode produzir. Existe o discurso, mas a betonagem de Luanda continua. Achei curioso o facto de a refinaria de ouro ter sido construída em Luanda, quando devia ser colocado no Chipindo ou no Cuanza Norte, onde se produz. Se estivesse lá, criaria maior oportunidade de emprego às populações locais e circunvizinhas, do que na Zona Económica. Com isso, quem está no interior terá a tentação de vir a Luanda.

“Não se vêem, porventura, povos pobres em terras vastas, potencialmente férteis e com um clima dos mais benéficos?”. O senhor cita Adam Smith na obra. Como pensa que Angola entrou para a ‘armadilha da pobreza’ e qual é a porta de saída?

Angola entrou na armadilha da pobreza porque o discurso não surtiu o efeito desejado. Depois de 2002, com o surgimento da paz, e com o discurso de as pessoas voltarem para as suas zonas de origem, o que aconteceu foi que os que tinham ficado lá também vieram para Luanda, porque as oportunidades eram maiores. A actividade de vender água em Luanda, por exemplo, é lucrativa. Logo, os jovens preferem vir a Luanda vender água a ficar na sua província.

ENTREVISTA

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2022-08-01T07:00:00.0000000Z

2022-08-01T07:00:00.0000000Z

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