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COMÉRCIO

Gilberto Simão, Presidente da Associação das Indústrias Panificadoras de Angola diz haver “desordem” no licenciamento de padarias no país e no processo de importação da farinha de trigo. Reitera ainda a denúncia da sua exportação de Angola para a RDC

Texto:miguel Kitari Fotos: Carlos Moco

Gilberto Simão, Presidente da Associação das Indústrias Panificadoras de Angola diz haver “desordem” no licenciamento de padarias no país e no processo de importação da farinha de trigo. Reitera ainda a denúncia da exportação do trigo de Angola para a RDC.

Potenciar os agricultores que se dedicam à produção do trigo é um imperativo para se evitar a dependência, ao mesmo tempo que alerta para a possibilidade de o preço do pão poder subir, nos próximos meses, na ordem de 100%.

De tempo em tempo, regista-se problemas de abastecimento de trigo ao mercado, fazendo subir o preço do pão. O que deve ser feito para se inverter o quadro?

Para termos um abastecimento regular de trigo, é preciso organizar e disciplinar o mercado. O Governo tem na associação que um parceiro no qual pode confiar. Não queremos substituir ninguém, mas queremos trabalhar e apoiar para a inversão do actual quadro, sobretudo na implementação do programa de desenvolvimento económico e social. Quanto ao abastecimento de trigo, já temos aqui quatro moageiras, o que é muito bom. Agora precisamos de fazer acertos entre o Governo, os proprietários das moageiras e nós, associação das panificadoras, na qualidade de consumidores de farinha de trigo. Sempre solicitamos este acerto, mas nunca tivemos resposta.

Por que razão não têm resposta?

Existe interferência. Quer dizer, existe anarquia na distribuição da farinha de trigo. Muita farinha de trigo sai de Angola e vai parar fora das nossas fronteiras, designadamente, na República Democrática do Congo.

É verdade que há contrabando de farinha de trigo?

Sim. Sai daqui farinha de trigo importada e produzida localmente. Temos núcleos em todas as províncias do país e o do Zaire reportou-nos esta triste situação que prejudica a todos nós. A farinha de trigo que devia ser consumida aqui, está lá fora. Se a nossa produção mais a importação não satisfaz as nossas necessidades de consumo, não podemos, claro, exportar. É por isso que precisamos fazer acertos com todas as entidades envolvidas nas políticas e na cadeia produtiva e da distribuição, bem como no consumo, para traçarmos uma estratégia de actuação comum.

Mas os preços…

Precisamos, sobretudo, definir o preço do saco de farinha de trigo. As moageiras têm os seus custos de produção, reconhecemos isso, mas é preciso ver que estamos a trabalhar com um produto muito sensível que é o pão. Então, o Governo tem de intervir, pois o pão não pode ter preciso variáveis de forma constante. E as pessoas não têm dinheiro para comprar pão nos actuais preços, que é de 30 Kwanzas. O preço do pão tem de estar indexado ao preço da farinha trigo. Se a farinha ficar mais cara, logo, o pão também fica mais caro. Temos que estar unidos. Um sector que era fácil de controlar agora está nas mãos dos estrangeiros

É por isso que dizia haver anarquia no mercado?

Exactamente. Mas atenção: não temos nada contra os estrangeiros. Na verdade, os estrangeiros apresentam-se em melho

“Só devia abrir uma padaria quem estivesse devidamente credenciado, com todas as inspecções muito bem-feitas por técnicos”

res condições de competitividade no nosso mercado e controlam-no, uma vez que possuem condições favoráveis para suportar os custos de produção, comparativamente aos nacionais. Temos que trabalhar e estabilizar o preço do trigo de modos a fixarmos o preço do pão a 30 Kwanzas, no máximo. Com este valor, o trigo deverá custar 12 mil, ou então 15 mil. Não mais que isso.

E como é que chegaremos a isso?

É preciso unirmos as ideias. Temos que sentar. E o Governo tem de intervir. Como? Por via da subvenção da farinha de trigo, da mesma maneira que há nos combustíveis e noutros sectores ou produtos. Como sabe, o preço do pão tem causado muitos problemas noutros países. Portanto, estamos aqui abertos para o diálogo. Por exemplo, as moageiras produzem um trigo de luxo, que é muito caro. Estamos a fazer pão com trigo de pastelaria. Não precisamos disso. Há países em que há um pão económico e uma farinha própria para a sua produção.

Qual é a diferença, já agora, entre a farinha de trigo para pão e para a pastelaria?

Quando moemos o trigo temos que peneirar. Para o caso da farinha que serve para o pão, ela não precisa de estar muito fina, como é o caso da pastelaria. Portanto, a diferença é que uma é mais grossa que a outra. Neste caso, para o pão é a mais grossa. Com duas refinações, temos uma ótima farinha para pão. Temos também de instituir as pequenas indústrias de trigo como forma de fazer pão económico.

Voltando à questão da anarquia. Os empresários do Médio Oriente dominam o mercado nacional de importação de trigo. Mas eles investem muito para isso…

Sim. Na verdade, há aqui um monopólio destes cidadãos. E temos que acabar com os monopólios e, para tal, temos que nos disciplinar. Eles chegam aqui e dominam, pois, quando saem dos seus países recebem créditos com taxas de juros muito baixos. E são eles próprios que nos dizem. Portanto, já falámos com eles para que fizessem parte da associação e apresentamos os benefícios, e eles não aceitam porque não acham vantagens nisso. Trazem 100 mil dólares como

taxa de juros de 2% e não precisam de nós. Chegam a um angolano que está com dificuldades de gerir a padaria e compram e depois instalam-se. E tem sido assim. É isso que causa anarquia. E até agora, o Executivo, por via do Ministério da Indústria e Comércio, não disciplinou o sector. E como? Quando você passa um alvará comercial deve exigir que os trabalhadores devem ter uma carteira de curso de padeiro.

E quem tem de fiscalizar isso?

É quem passa o alvará. No caso,o Ministério da Indústria e Comércio, que até tem uma escola de comércio que tem de funcionar, tem de exercer o papel que lhe é reservado. Se forem instituídas as carteiras profissionais da panificação e da pastelaria, vamos organizar e acabar com os monopólios, pois vamos obrigar as pessoas a estarem unidas em torno de uma única classe. E o Governo pode controlar melhor. Muitos países fazem isso, mesmo aqui na Região Austral de África (SADC), onde estamos inseridos. O Ministério não perde o seu papel, mas a associação tem um papel institucional. Nas outras realidades, por falta de técnicos para avaliar as solicitações e fiscalização, os processos demoram mais. E como nas associações estão os técnicos, e tendo elas poder institucional, o processo de obtenção de alvará é mais rápido. Hoje, por exemplo, se quiser saber quantas padarias temos, é a associação que lhe dá estes dados.

Quantas são?

Em Luanda andamos com cerca de 2 mil padarias. Nas outras províncias, temos em média 40/50 padarias, dependendo da região. Noutros sectores, no caso da saúde, por exemplo, você não abre uma farmácia ou clínica sem uma inspecção rigorosa dos técnicos.

O senhor também quer ter esse poder enquanto associação?

Sim. O Governo tem que dar esse poder ao sector. Só devia abrir uma padaria quem estivesse devidamente credenciado, com todas as inspecções muito bem feitas por técnicos. E vou lhe dizer que, por causa desta situação estamos a comer pão que…é quase veneno. Estamos a pôr em perigo a nossa saúde. No desejo do lucro fácil, as pessoas confeccionam o pão de qualquer

“Por causa da anarquia no sector, estamos a comer pão que…é quase veneno. Estamos a pôr em perigo a nossa saúde”

forma, colocam soda cáustica, fermento em demasia, enfim, muita coisa que prejudica a saúde humana. Isso acontece fundamentalmente no interior. E afirmo isso porque estou mais no interior.

Como pensa que que reduz sistematicamente os preços da farinha de trigo?

Olha, temos que produzir mais para que tenhamos um mercado bem abastecido. Mas, como deve compreender, mais do que eu, um agricultor estaria em condições de fazer uma abordagem mais profunda sobre esta matéria.

Há alguma produção no município do Chinguar, província do Bié, na fazenda do empresário Alfeu Vinevala, que já visitei, mas não tem tido o apoio necessário. É um dos nossos filhados. Vimos uma grande extensão de trigo que ele produziu, numa extensão de mais de mil hectares, no entanto, não consegue avançar.

Então isso não acontece agora porquê? Fica mais caro produzir localmente?

É preciso vontade política. Sabes que Angola é um país rico…tem petróleo e então é mais fácil importar. Investir não interessa nada. O nacional não se vai impor se não tiver apoio. Refiro-me ao crédito. Precisamos de protecção. Temos aqui grandes importadores que deveriam converter-se em grandes produtores. Se não haver essa exigência nunca vai haver produção local. Caso a gente não proteger a produção nacional, o trigo “Feito em Angola” nunca vai ter lugar.

Como pensa que o crédito seria operacionalizado?

Através de uma cooperativa de crédito e associações, que teriam o papel de mobilizar os filiados, ajudar na elaboração dos projectos e dar formação. É a cooperativa que iria ao banco em busca do crédito. Portanto, a relação com o banco é com a cooperativa, que depois vai desmatar, fazer correcção dos solos, tratar das melhores sementes e de todo o processo delicado.

Além do Bié, podemos cultivar trigo noutras províncias do país?

Sim. São os casos da Huíla, do Huambo, Cuanza Sul, Malanje, Moxico e Cuando Cubango. Temos um terreno muito fértil e com clima propício para isso. Em 2012, tivemos aqui a visita de empresários portugueses que percorreram as províncias e saíram daqui satisfeitos. O que aconteceu depois já não lhe sei explicar. Agora mesmo tivemos uma delegação turca que elogiou o nosso clima, pois eles têm apenas três meses de tempo quente, o resto é inverno e com muita neve.

CARTA DO DIRECTOR

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