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OPINIÃO

O Engenheiro Agrónomo, Fernando Pacheco, faz um diagnóstico ao ‘PALAGRÃO’, através de um artigo de opinião, em que aponta os seus desafios e os riscos e derrapagens, se determinados factores, como a investigação científica, não forem devidamente acautelados.

Surpreendentemente, o Governo decidiu definir uma estratégia para aumentar a produção de grãos (milho, arroz, massango, massambala, trigo, feijão, soja, amendoim e girassol) que passou pela elaboração de um Plano Nacional com a duração de cinco anos, surpreendentemente, porque nada fazia prever, agora que se chega ao fim da legislatura. Desde logo, é possível vislumbrar, pelo menos, dois aspectos negativos mais salientes. O primeiro é a prioridade territorial para o Leste, região que não tem as melhores condições edafo-climáticas para as culturas seleccionadas, com excepção do arroz; nem infra-estruturas para responder ao que se pretende, pois existe o constrangimento das estradas, que se arrasta ao longo dos anos de reconstrução e não se vislumbra a solução em cinco anos, dada a dimensão do território e a sua interioridade.

Se a pretensão é (ou era) um plano para o desenvolvimento do Leste, incluindo a parte oriental de Malanje e Bié, outras soluções poderiam ser tidas em conta, começando exactamente por um esforço enorme para dotar a região com boas vias de comunicação e de energia, a par do incentivo das culturas do arroz e mandioca e a sua industrialização, para além de outras actividades como a exploração de madeira e sua transformação em mobiliário, o fabrico do mel e a pesca da tuqueia. O segundo é a aposta no trigo, pois não há actualmente know

how nem experiência para a expansão da cultura, que no tempo colonial (1972), que frequentemente nos serve de referência, atingia a produção de apenas cerca de 23 mil toneladas, e actualmente não chega à metade desse montante. Teria que haver estudos e investigação, antes de se pensar na extensão, como acontece no Brasil.

Com efeito, valerá a pena estudar a experiência de um país que é uma potência agrícola mundial com o suporte dessa portentosa instituição científica que se chama EMBRAPA.

Nos anos 70, a sua produção ainda era limitada à região sul, de clima mais temperado, com as variedades então existentes. Após anos de experimentação de variedades importadas do México e de investigação visando o melhoramento genético, foi possível chegar ao trigo “tropical” que hoje pode ser cultivado no norte quente e húmido.

Por outro lado, a cultura do trigo é muito vulnerável a doenças. Em Angola, é muito comum a chamada “ferrugem”, particularmente na época de sequeiro, e no Brasil e na vizinha Zâmbia apareceu agora o “brusone”, um fungo que está a pôr culturas em risco. Desse modo, tudo o que sejam acções a favor da cultura do trigo, que sejam para além da experiência e de investigação, será deitar dinheiro fora.

Apostar na produção de alimentos é primordial, independentemente da actual conjuntura internacional. Não deve ser pela guerra na Ucrânia que deveremos dar a essa actividade a prioridade que ela merece. Se o tivéssemos feito antes, pelo menos depois de 2002, hoje estaríamos numa situação bem diferente.

O paradigma dos projectos de produção de larga escala, que consumiu quase dois mil milhões de dólares – cerca de metade do que se pensa gastar com o Planagrão – prejudicou significativamente a realização de projectos estruturantes que, a existirem, teriam alterado a face do sector. Hoje Angola depende da importação de sementes com um mínimo de qualidade, usa fertilizantes sem base científica e não dispõe de um serviço estruturado de mecanização agrícola.

No que respeita a estradas, à reabilitação das quais se deu, supostamente, prioridade nos primeiros anos de reconstrução, a situação caracteriza-se geralmente por estarem bastante deterioradas e sujeitas a mais intervenções de reabilitação muito onerosas, e as secundárias e terciárias nunca chegaram a merecer a atenção que deviam, com reflexos evidentes no desempenho do sector.

As estimativas do Ministério da Agricultura apontam para necessidades de milho para consumo humano de aproximadamente 2,1 milhões de toneladas e para matéria-prima de rações e outros destinos na mesma ordem. A produção de 2021 ronda as 3,5 milhões de toneladas, o que permite calcular um défice de 700 mil toneladas.

O país importou, em 2020, aproximadamente 42 mil toneladas de milho e 153 mil toneladas de fuba de milho o que permite pensar que as necessidades globais de milho são relativamente fáceis de alcançar. Um esforço mais no aumento da produção, não nas chanas do Leste, mas nos planaltos do Centro e Norte, onde há tradição, tornaria Angola auto-suficiente, incluindo para garantir rações para a produção de ovos e frangos. Em relação aos bens que ainda registam défices mais ou menos acentuados, temos o arroz (89%), cujo consumo aumentou de modo acentuado nas últimas décadas, o massango (85%), que como a massambala deve ter sofrido com as anomalias climatéricas do ano de 2020-21, a soja (84%), o trigo (81%), a massambala (75%), o feijão (47%) e o amendoim (43%). Estes números dão uma ideia da fragilidade da produção agrícola e da margem que tem para crescer. Concluindo, um plano para a produção de grãos não é errado. A estratégia para os próximos cinco anos é que podia ser outra, depois de um estudo mais rigoroso e não com o carácter de emergência e de urgência, como foi a preparação deste plano. Gastar o dinheiro previsto na produção de milho e feijão (dada a sua importância na dieta alimentar) nos planaltos e o arroz no Leste, seria muito mais pertinente.

A propósito, se o documento divulgado refere as culturas e produtos acima referidos, o Ministro da Economia e do Planeamento anunciou no final do Conselho de Ministros onde o assunto foi tratado que haviam sido reduzidos para apenas quatro: milho, arroz, trigo e soja. Paralelamente, deveriam ser dados passos concretos na implementação de projectos estruturantes para a solução de problemas inadiáveis, entre os quais, os das sementes, da fertilidade dos solos, da mecanização agrícola, das tecnologias intermédias e da investigação de modo a lançar definitivamente a agricultura angolana na senda do progresso.

“O paradigma dos projectos de produção de larga escala, que consumiu quase dois mil milhões de dólares – quase o dobro do que pensa gastar com o Planagrão – prejudicou significativamente a realização de projectos estruturantes”

CARTA DO DIRECTOR

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2022-08-01T07:00:00.0000000Z

2022-08-01T07:00:00.0000000Z

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